27 de fevereiro de 2010

Verruga

Foi uma bobagem sem tamanho. Era sexta-feira, final da tarde em Salvador. Vianna, Alex, Kinkas, Pedro e Roberto já estavam habituados à cervejinha da sexta, que - em geral - perdurava até a saideira (tipo 23 horas). Mas naquela noite foi diferente. Não havendo o que falar, Kinkas propõe uma brincadeira. Uma roda-viva. Um jogo da verdade. Um quatro contra um. As regras: a) quem estivesse na roda, limitar-se-ia a ouvir os demais dizendo - franca e abertamente - tudo o que pensagem acerca do "homem" da vez; b) franqueza total por parte dos quatro. Ora, depois de um engradado, qualquer proposta seria aceita. E assim foi. Kinkas, propositor da brincadeira, volutariou-se para a primeira rodada. E tome-lhe verdades. Durante 30 minutos um borbardeio de verdades foram sendo ditas. Impiedosamente. Diante de algumas verdades mais cruéis, Kinkas se movimentava na cadeira para contestar, mas logo era repreendido. Regras são regras. Ao final, um kinkas magoado iria participar da segunda rodada. E era Vianna que estaria no centro. Foi como um abutre que Kinkas se insurgiu contra Vianna, onde foi acompanhado pelos outros três. Havia veneno escorrendo pelos cantos das quatro bocas. Vianna teve de ouvir tudo. Tudo. Sua biografia fora devastada. Entre um gole e outro, ouvia. Mas o que mais o magoava era a pirraça, a chacota, as rizadinhas, os dedos em riste. E a repetição de fatos muito, muito constrangedores. Aquilo estava se tornando insuportável. Mas era preciso ser forte. Sair do jogo ou entrar em rota de colisão seria uma fraqueza. Vianna engoliu em seco. Mas chegara a vez de Pedro. Em 5 minutos, e o Pedro gozador baixara muito a bola. Sobre ele, como abutres, Vianna e Kinkas foram implacáveis. A atmosfera estava tensa o suficiente, a tal ponto que pararam de beber. E era a vez de Roberto. Antes, enquato dizia verdades sobre os outros, Roberto vasculhava seu passado em busca de algum elemento que pudesse despí-lo no jogo. Nada. Não havia nada em seu passado que pudesse ser apedrejado pelos quatro naquela que seria a última rodada da última vez que os quatro sairam juntos. Ocorre que Roberto tinha uma verruga na testa, acima do olho esquerdo. Não era qualquer verruga. Imaginem uma tampa de garrafa de cerveja, só que em formato cônico. Foi ali, naquele grande ponto, que se agarraram seus amigos. De unicórnio a meio-corno, tudo foi dito. Irados, os quatro viram naquele ponto a grande oportunidade de extravasarem sua ira. Roberto reagiu. Os colegas foram longe demais. Havia uma garrafa vazia à mão. Foi o suficiente para que o dono do bar ligasse imediatamente para uma UTI móvel. Havia muito sangue na camisa de Kinkas.

25 de fevereiro de 2010

Monólogo

Ela ficou surpresa - e um tanto quanto perplexa. Vê-lo conversando sozinho na cozinha era prova de que, aos 35 anos, algo de errado estava acontecendo.