Lá em casa, há quem diga que eu nasci com a bunda pra lua. Nunca vi muita razão nisso, mas ontem pude comprovar isso claramente. Antes, contudo, preciso fazer um comentário sobre coincidências (ou sincronia, se vos apetece). Quando eu era muito garoto, e estudava música, deparei-me, num dos conceitos de harmonia, com a palavra “simultâneo”. Achei linda a palavra. Simultâneo. O texto era: “Harmonia é a execução de várias notas simultaneamente”. Exemplo: o piano. No piano, a gente executa várias notas ao mesmo tempo. O violão também é um instrumento harmônico. Já o saxofone e o clarinete e a flauta são instrumentos melódicos, já que suas notas são executadas uma após a outra. Ou seja, a harmonia está para a poligamia, assim como a melodia está para a monogamia. Mas isso não vem ao caso. O certo é que, de uma hora pra outra, a palavra simultâneo começou a surgir em tudo quanto é lugar. No colégio, na TV, nos livros, simultaneamente. Pois bem, voltemos às comprovações de que, realmente, nasci com a bunda pra lua e de que existe uma sincronia maluca nas coisas todas. Ontem, como todos sabem, foram comemorados, em Salvador, os festejos de Yemanjá. Um vucu-vucu sem fim em toda a orla. Eu, que não sou dado a festas e vivo no recôndito do meu lar, na clausura do meu eu, na intimidade de minha individualidade, no aconchego do meu claudianismo, na penumbra de minha clausura, fui para uma praia menos movimentada. Longe, muito longe do Rio Vermelho. Perto, muito perto de Piatã. Dispo-me sem vergonha, já que perdi boa parcela da gordura que obtive nos últimos dois anos. Sento-me na areia da praia para, antes de entrar na água, meditar sobre as razões da existência. Aliás, faz uns trinta anos que dedico de cinco a dez minutos a meditar sobre as razões da existência. Em vão, naturalmente. Mas, que são cinco ou dez minutos para quem tem bem mais de mil minutos por dia? Vocês implicam com tudo, hein? Deixa eu meditar, ora essa! Quando já estava ali pelos dois minutos de meditação, meu olho esquerdo, seguido do direito, percebeu, deitada na areia, uma garota que, salvo melhor visão, era a coisa mais linda que o Criador, com toda a sua habilidade estética, criara no mundo. Negra. Era uma garota negra e tomava banho de sol sobre uma canga verde musgo. Linda. A pele, ao sol, brilhava intensamente, com o auxilio luxuoso de um bronzeador. E, mais intensamente, brilhava um piercing no seu, oh!, seu lindo afro-umbigo. Deixo por vossa conta imaginar tudo o mais. Meu olho esquerdo, seguido do meu direito, também percebeu que ela tinha, ao seu lado, um livro. Era “Se houver Amanhã”, do Sidney Sheldon. Eis a coincidência de que falava. Um dia antes, li numa publicação que o mesmo havia morrido. Agora, ao meu lado, uma garota fenomenal estava ali, na areia da praia, lendo uma de suas obras. Que coisa, hein?! Pois é. Eis que, lembrando-me de minha recente solteirice, achei conveniente ensaiar uns passos rumo a um novo grande amor. Interrompida a reflexão acerca das razões da existência, comecei a elaborar uma estratégica de abordagem eficaz para uma aproximação. Nessas horas, é preciso todo um cuidado. Qualquer palavra fora do lugar e babau. Depois de um minuto e dezessete segundos de reflexão, cheguei à melhor forma de abordar à Deusa de Ébano. Eu e praticamente metade da humanidade já lemos Se Houver Amanhã. Que faria, pois?! Bem, ela havia marcado o livro. Um terço da história já tinha sido lido. Foi o bastante. Lembrei-me da história e deduzi em que trecho da mesma ela estava. Pronto. Fui até ela, tímido como sempre fui, e: "Olá, tudo bem?" Ela não respondeu de imediato. "Tudo". Respondeu, secamente e com um “não prévio” esboçado no semblante. Eu já previa que o bendito do olá, tudo bem não teria futuro nenhum. Mas a segunda frase não podia ser dita a queima-roupa. Ei-la: "Vi que você está lendo um livro que marcou minha infância". Sim, eu pus uma pequena, mísera dose de exagero; sim, pesei um pouco a mão; mas o livro teve lá sua importância, ora essa!. Vocês também são muito exigentes! Só que a frase era afirmativa, não necessitando de resposta, evidentemente. Fiz, então, a pergunta: "Você já chegou naquela parte assim, assim?" Pronto, foi o suficiente para ela abrir um sorriso ímpar e ultra odontológico. "Já!", disse ela, com um “sim profético” esboçado no semblante e no corpo. "Sério?!" Daí em diante eu estava em casa. Em meio aos comentários literários, entremeava perguntas dirigidas a fins muito específicos, se é que me entendem. Pois bem, depois de muita conversa: "Qual seu nome?" Perguntei. "Daphene", foi a resposta. Foi nessa hora que quase tive um troço. A última Daphene que conheci, e com quem nada tive, me causou um prejuízo tão gigantesco, tão monumental que conhecer outra ou é obra do senhor das trevas ou uma tremenda coincidência. Depois de me recompor do efeito do nome da Deusa de Ébano, e considerando que o calor estava soteropolitano, ela – e não eu, como alguns maldosos poderão supor – convidou-me a que fôssemos tomar banho de mar. A maré estava baixa, mas eu estava em alta. Tudo o que aconteceu depois esteve recheado de muitas coincidências mas, principalmente, de muita, muita sincronia e muita, muita simultaneidade, se é que me entendem. Isso me faz aceitar a abundante afirmação de que, de fato, nasci com a bunda pra lua, hehe.
Não de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio homologar tudo é um. HIPÓLITO, Refutação, IX, 9.
4 de fevereiro de 2007
Se Houver Amanhã
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5 comentários:
Sabe... eu não entendi o que quis dizer com muita, muita sincronia e muita, muita simultaneidade... tive um vago lampejo de imaginação.. mas preferi não acreditar nele, principlamente depois de ter ouvido sobre a saga Piauí vs pernilongos, preferi não acreditar na minha imaginação.
Creia na sua imaginação, hehe!!
Além de ter nascido com a bunda virada pra lua, é um Don Juan nato... Muito boa abordagem...
Cuidado com a sua bunda desnuda apontando para cima... Pode chover... Silvinha, não gostaria que eu completasse esta frase.
O que prova, desde já, que Silvinha é a mulher mais sensata que você pode conhecer...
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