16 de janeiro de 2009

Ritmo e Musicalidade

Discutia eu com meu sobrinho-escritor acerca de ritmo, musicalidade, métrica na construção poética. Temos lá nossas convergências. Mas, há uma geração de poetas - modernóides, por assim dizer - que mandam às favas essa chamada "herança maldita" dos tempos dos vovôs parnasianos. Eu, retrô, prefiro-os. Em criança, eu tinha um bando de poemas decorados. Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Castro Alves, Menoti Del Piccia, Casimiro, Olavo Bilac. Depois fui evoluindo para: Augusto dos Anjos, Bandeira, Drummond, Pessoa, Poe, Baudelaire, Quental, Emiliano Perneta, Mário etc. Essa turma toda tinha/tem em comum a amaldiçoada musicalidade. E, na ausência desta (por deliberada predisposição), tinham a idéia (matéria-prima do poema). Podemos até divergir quanto ao invólucro, mas o continente tem que estar presente e precisa ser legítimo. Ou seja, antes de mais nada tem que ser poesia.

Discutia eu com meu irmão - pai do meu sobrinho-escritor - acerca do mesmo tema, e considerávamos o seguinte: uma vez abolida a métrica, o ritmo, a musicalidade (e até mesmo a gramática!), todo mundo se arvora a poeta. Sim, porque é fácil, né? Escrevo um bando de metáforas, agrego-as com umas tantas conjunções, sapeco-lhes um título triunfante, e recito-as para o mundo, que me aplaude e me chama de... poeta. E isso serve - valha-me Ferreira Gullar! - para as artes todas. Se sou artista plástico, idem. Se sou pintor, idem.

Pois bem, só de pirraça, estou publicando um dos poemas de minha infância querida (que os anos não trazem mais), onde Gonçaves Dias usou e abusou do maldito ritmo, da infame métrica, da infernal musicalidade.

Deprecação

Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rosto
Com denso velâmen de penas gentis;
E jazem teus filhos clamando vingança
Dos bens que lhes deste da perda infeliz!

Tupã, ó Deus grande! teu rosto descobre:
Bastante sofremos com tua vingança!
Já lágrimas tristes choraram teus filhos
Teus filhos que choram tão grande mudança.

Anhangá impiedoso nos trouxe de longe
Os homens que o raio manejam cruentos,
Que vivem sem pátria, que vagam sem tino
Trás do ouro correndo, voraces, sedentos.

E a terra em que pisam, e os campos e os rios
Que assaltam, são nossos; tu és nosso Deus :
Por que lhes concedes tão alta pujança,
Se os raios de morte, que vibram, são teus?

Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rosto
Com denso velâmen de penas gentis;
E jazem teus filhos clamando vingança
Dos bens que lhes deste da perda infeliz.

Teus filhos valentes, temidos na guerra,
No albor da manhã quão fortes que os vi!
A morte pousava nas plumas da frecha,
No gume da maça, no arco Tupi!

E hoje em que apenas a enchente do rio .
Cem vezes hei visto crescer e baixar...
Já restam bem poucos dos teus, qu'inda possam
Dos seus, que já dormem, os ossos levar.

Teus filhos valentes causavam terror,
Teus filhos enchiam as bordas do mar,
As ondas coalhavam de estreitas igaras,
De frechas cobrindo os espaços do ar.

Já hoje não caçam nas matas frondosas
A corça ligeira, o trombudo quati...
A morte pousava nas plumas da frecha,
No gume da maça, no arco Tupi!

O Piaga nos disse que breve seria,
A que nos infliges cruel punição;
E os teus inda vagam por serras, por vales,
Buscando um asilo por ínvio sertão!

Tupã, ó Deus grande! descobre o teu rosto:
Bastante sofremos com tua vingança!
Já lágrimas tristes choraram teus filhos,
Teus filhos que choram tão grande tardança.

Descobre o teu rosto, ressurjam os bravos,
Que eu vi combatendo no albor da manhã;
Conheçam-te os feros, confessem vencidos
Que és grande e te vingas, qu'és Deus, ó Tupã!

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá, meu caro! Enfim, à maneira dividida pelos poetas. Usou de quartetos, e de rimas,mas deixe-me alertá-lo: as rimas, se na sua juventude tentou trabalhá-las, não estão ricas, e a métrica está quebrada na maioria dos versos.

Um forte abraço!

Daniel Ciarlini

Anônimo disse...

Corrigindo... Para você ver como até nomes como Gonçalves Dias que, na época trabalhava, e muito, os seus poemas, nos deixa um poema como esse sem trabalho estético... Procure as tônicas obrigatórias, não foram obedecidas; procure as tônicas secundárias (quando não da obrigatória), também inexistentes, por fim, procure a última, confundida em sílaba tônica de 10, 11 e, até, 12.
Tenho apreço especial por um poema de Gongalves que, se não me engano, é uma "Ode" a uma filha que perdeu, um dos trechos muito tristes diz mais ou menos assim: "E sei que morreste filha"; linda!

Até mais, semprei visitarei seu blog!

Daniel Ciarlini