26 de janeiro de 2007

Metafísica ou Saudosismo?

Para Paulinho Dagumé, obviamente!

Não sei precisar em qual de minhas encarnações fui monge, mas posso dizer que fui contemporâneo de São Francisco de Assis e, como ele, travei grandes lutas em busca da paz entre os homens. Participei, em outras vidas, de outras tantas aventuras históricas, todas elas ocorridas dentro da atmosfera bélica predominante na Idade Média. E, não obstante esse ambiente de guerras, eu sempre estive em algum ponto onde a meditação e a contrição e a oração e reflexão e predominavam. Fernando Pessoa, quando nos reunimos a primeira vez para discutir sobre o budismo, disse-me, de modo amável, mas ao mesmo tempo cruel, que meu budismo é o budismo da indiferença, da ausência, da falta de emoção, da inapetência. Ele disse mais uma série de sinônimos, que hoje, passadas tantas décadas, não me recordo. Não quis contender já que, na época, morria nosso amigo Sá Carneiro. Mas ele não perde por esperar, aquele magricela de uma figa!. Pois bem. Nesta minha vida atual, como que por uma imposição do cosmo, passei minha infância e adolescência circundado pelos sagrados ofícios, pela liturgia cristã. Durante anos, clarinetista (de mediana técnica), compondo uma orquestra sacra, ajudei a embalar as almas que, naqueles templos de outrora, freqüentavam os cultos. O rito era sempre o mesmo. Ei-lo. Em torno das 19:00 horas, a orquestra se posiciona: são clarinetes, violinos, saxofones, bombardinos, trombones, trompetes. Afinadas as vozes, entoam, baixinho, algumas peças do hinário, enquanto os fiéis vão chegando e se acomodando nos bancos de madeira. Silêncio. Muito silêncio. Muitos chegam mais cedo. Estão em comunhão. Meditam. Pacificam suas almas. Absorvem a atmosfera de paz que a igreja irradia. Como de praxe, a maioria dos irmãos vestem-se formalmente. Paletó, gravata, etc. As irmãs, saia e véu. O silêncio às vezes é interrompido por espontâneos "Glória a Deus!", que saem da garganta impelidos por uma espécie de desafogo, uma espécie de constatação absolutista. Silêncio. Às 19:30, pontualmente, um dos ministros dá início ao culto, dizendo: "Deus seja Louvado!". Todos, de pé, dizem: "Amém". Em nome de Cristo, dá início à liturgia, que principia com a entoação de três hinos, sugeridos pela irmandade. Cada cântico é antecedido de uma breve introdução, que permitirá à congregação verificar: tonalidade e o andamento da peça sacra. Cantados os hinos, o ministro convida a todos para a primeira das duas orações da noite. Todos se ajoelham e glorificam. Um dos irmãos, voluntariamente, inicia, em solo, a orar. Concluída a oração, todos se sentam. O ministro abre espaços para aqueles que queira testemunhar à igreja bênçãos recebidas. Findos os testemunhos, é aberto o espaço para o momento mais aguardado: a pregação da palavra, que consiste na leitura de um trecho bíblico, seguindo-se a sua exortação. Terminada a pregação, o ministro convida a todos para a última oração. Terminada a oração, todos ficam de pé para entoar o último hino. O ministro, em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, encerra o culto. Os fies se despedem, e vão para suas casas. A orquestra, enquanto a irmandade sai do templo, toca o último hino, pano de fundo melódico para as manifestações fraternas entre os membros do corpo de Cristo. Dia desses, para me contrariar postumamente, releio a obra do Fernando Pessoa, onde estava o seguinte trecho: Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro, dizendo-me, Aqui estou! (Isto é talvez ridículo aos ouvidos de quem, por não saber o que é olhar para as cousas, não compreende quem fala delas com o modo de falar que reparar para elas ensina). Mas se Deus é as flores e as árvores e os montes e sol e o luar, e então acredito nele, então acredito nele a toda a hora, e a minha vida é toda uma oração e uma missa, e uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. Mas se Deus é as árvores e as flores e os montes e o luar e o sol, para que lhe chamo eu Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; porque, se ele se fez, para eu o ver, sol e luar e flores e árvores e montes, se ele me aparece como sendo árvores e montes e luar e sol e flores, é que ele quer que eu o conheça como árvores e montes e flores e luar e sol. E por isso eu obedeço-lhe (que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?), obedeço-lhe a viver, espontaneamente, como quem abre os olhos e vê, e chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, e amo-o sem pensar nele, e penso-o vendo e ouvindo, e ando com ele a toda a hora. A próxima vez que eu estiver o Fernando, vou dizer pra ele que está em jogo não é um Deus para chamar de seu. O que importa mesmo, o que de fato é relevante é não é encontrar Deus, é me achar. Por isso, na próxima vez que for tocar numa igreja, vou sugerir Paulinho da Viola. Vejam o que ele diz numa de suas canções: Pra se entender, tem que se achar; que a vida não é só isso que se vê, é um pouco mais: que os olhos não conseguem perceber, e as mãos não ousam tocar, e os pés recusam pisar. Sei lá, não sei. Sei lá, não sei não.

Um comentário:

Anônimo disse...

Luiz, durante os últimos tempos aprendi que é bem viavél e aconselhável se acreditar em Deus. Afinal, relembrando nossos saudosos tempos: " Jeová deverás odeia..."