7 de janeiro de 2009

Atrocidade em Brasília - Flash em 20 cortes

Corte 1:
Com o descontentamento nos olhos, começou a executar lenta e metodicamente sua tarefa mórbida.

Corte 2:
A arma do crime foi uma peixeira de uns 15 centímetros, amolada como a língua daquela que a manuseava, cabo branco talhado em plástico fosco, que há muitos anos pertence à Naná, vulgo "Mamãe".

Corte 3:
Logo o dia vai amanhecer, mas amanhece de luto.

Corte 4:
No início, a intenção era apenas arrancar alguns galhos inconvenientes, como os que estavam caindo por cima do muro, para o lado do quintal do vizinho.

Corte 5:
"Deixa isso pra lá, vem pra cá, o que é que tem, eu não tô fazendo nada, nem vocês também, bora cortar esse pé de siriguela!".

Corte 6:
Então foi que começou o sanguinolento esquartejamento.

Corte 7:
Entramos lá, cautelosamente, com o mesmo cuidado de Chaves e Chiquinha ao entrar na casa da Bruxa do Setenta e Um. Eu juro que estava só esperando aparecer um gato e ele gritar "satanás!" para eu pular o muro e correr dali.

Corte 8:
Seu olhar era fixo e intimidador, e eu procurei me concentrar na minha missão.

Corte 9:
A imagem era tenebrosa, e só serviu para aumentar meu estado de temor.

Corte 10:
Foi uma coisa traumática para mim, e por isso eu tive uma vontade incontrolável de pegá-la para mim, mas não a peguei por puro medo mesmo.

Corte 11:
Conclui que estar acompanhado do Surica em uma situação de terror e alucinação sem motivo não era algo muito confortante.

Corte 12:
"Achei, São Longuinho! Achei, São Longuinho! Achei, São Longuinho!"

Corte 13:
O chão já estava coberto de folhas e galhos assassinados, quando apareceu o Eduardo. Este foi direto para a cozinha, e tomou uma xícara de café bastante apreciada por uma pessoa que fuma tanto.

Corte 14:
Há uma tradição de que os filhos do meio sempre tem de carregar os resíduos do pé de siriguela arrancados - acho que tá em algum lugar da Bíblia isso.

Corte 15:
Mas nada disso amenizou minha dor de ir carregando, membro a membro, os restos mortais do amado pé de siriguela, a seiva ainda fresca manchando o asfalto, e depositá-los na matinha lá do outro lado, sepulcro de dezenas de outros defuntos anônimos, entre fetos, seres humanos, cachorros, soinhos e outros pés de siriguela. Nem muito menos a dor de carregar aquele peso miserável, jogar aquela porqueira por cima do alambrado, enfrentar os transeuntes mal encarados, essas coisas. É de fazer um chorar.

Corte 16:
"Não vou ajudar, não! Eu, em nenhum momento, concordei com isso!"

Corte 17:
Um gesto bastante heróico.

Corte 18:
Depois ele entrou na Senzala e foi fazer a revista dele, enquanto mãe continuava com seu esquartejamento.

Corte 19:
O que eu vi foi um céu cinzento e brilhante, uma garoinha fina e gelada que caía lentamente, de um céu que eu via pela primeira vez, de dentro do quintal...

Corte 20:
Fim de transmissão.

3 comentários:

Anônimo disse...

Fico feliz por vc ter voltado a atualizar seu blog, já estava com saudades...Sou sua fã!!
Um abraço da Karlinha!

d.b disse...

muito massa. assim dá menos preguiça de ler. dá pra fazer um story board e transformar em quadrinhos isto.

Edvair Ribeiro disse...

Ainda que mal me lembro fui cúmplice nesse crime.