17 de janeiro de 2007

Abacate

Minha mãe sempre se empenhou na busca de emprego – ocupação, por assim dizer – para mim e para Petrônio. De um lado, porque tínhamos que contribuir com o orçamento de casa, de outro, porque, trabalhando, não estaríamos fazendo traquinagens mundo a fora. Nessa de ocupar-nos, experimentamos tudo, eu e Petrônio. Cito somente eu e ele porque somente nós, da família, trabalhamos duro na infância. Paulinho, Maurício e Fábio, se perguntados, dirão que também eles labutaram muito. Não acreditem. Conheço a história de todos os oito filhos de paínho, e posso assegurar que somente eu e Petrônio soubemos o que significa labutar. De tudo fizemos um pouco. Vendemos picolé: caixa de isopor pendurada no pescoço, com 50 picolés devidamente enfileirados. Saíamos gritando pelas ruas da cidade: “Olhaê o Picolé!” Nunca lucrei nesse ramo. Aliás, sempre tive prejuízo. Já Petrônio, sempre chegava com o bolso abarrotado de dinheiro. Minha incompetência para vendas estava clara desde cedo. Engraxamos sapato: um desastre, já que a demanda era pequena e tínhamos uma concorrência especializada. Somente uma vez lucrei engraxando. Numa destas tardes amenas de Vitória da Conquista, estava eu a ocupar-me de alguma coisa de menino (em geral ocupações muito sérias), e eis que um outro garoto me diz que um senhor da terceira quadra após a nossa precisava de um engraxate. Fui. O homem havia decidido engraxar todos os seus sapatos. Eram doze pares de sapatos!! Cinco dos quais já estavam sem qualquer condição de uso, mas o meu cliente estava disposto a dar mais uma chance para os mesmos. Meu cliente pediu-me que apresentasse o preço por atacado, já que o valor praticado por unidade era impeditivo para sua capacidade de pagamento. Assenti positivamente. Enquanto engraxava, meu cliente resolveu narrar o tempo em que era criança, e fez desfilar na calçada todos os fatos ocorridos desde que o pai viera de Ilhéus para trabalhar como topógrafo (palavra que meu ouvido inaugurara naquele momento). Mas esse é só um atalho. Voltemos à labuta. Vendemos “mói de coentro”. Minha mãe sempre plantou de tudo no fundo do quintal e tudo que ela plantava eu e Petrônio tínhamos que vender. Coentro, chuchu, alface, cebolinha... esses itens eram vendidos a partir de uma estratégia infalível (para Petrônio). Como são elementos que toda dona de casa usa para fazer o almoço, e toda dona de casa que se preza em Vitória da Conquista começa a movimentar a logística culinária em torno das 09:30, ali pelas 09:00, eu e Petrônio já estávamos com nossas bandejas na cabeça, aos berros de: “Olhaê o coentro!”, “Olha o chuchu!”. Paulinho, Maurício e Fábio jamais saberão o que é vender tais itens. Também nunca saberão o que significa gritar pelas ruas em busca de clientes. E muito menos saberão o que significa ser atendido pela janela por donas de casa com seus aventais “sujos de ovos”. Claro que, além de vender os produtos da indústria do quintal de maínha, havia outras múltiplas ocupações: lixar peças de carro em oficinas (sob o odor de carbureto), conduzir, em carrinhos de mão, as compras das madames indo feirinha do Bairro Brasil até os confins do Mar Morto, etc. Mas o que mais me pesou (não sei se Petrônio tem a mesma opinião) foi vender abacate. Deus do céu! Vocês sabem quanto pesa um abacate? E 10, sabem? Pois bem, lá em casa, tínhamos 5 pés de abacate. Durante todo o ano eles frutificavam. Durante todo o ano eu e Petrônio tínhamos ocupações, e vender abacate era uma delas. Minha mão se regozijava quando um dos pés de abacate produzia exemplares que pesavam até um quilo (sim, um quilo!). Agora, imaginai: uma bacia de alumínio na cabeça contendo 10 ou mais abacates. “Olhaê o abacate!”. Não sei se tais ocupações nos fizeram, a mim e a Petrônio, homens melhores, mas uma coisa é certa: devemos nos alegrar de maínha nunca ter cultivado melancia em casa, muito menos abóbora.

Um comentário:

Nelson disse...

Bem, eu também sou péssimo vendedor... Na verdade quando era criança fui convovado por minha mãe pra vender pastéis, e não vendia absolutamente nada. Meu maior interesse era comer os pastéis que não eram vendidos(todos).
Uma lástima!