15 de janeiro de 2007

Vida

Para Manoel

Vou morrer. Aos poucos, a idéia da morte vai se acomodando. Aos poucos,
saber-me efêmero vai se transformando numa constatação indolor. Aos poucos, por
uma certa aproximação – cumplicidade, ou co-gestão – com o processo criativo
universal (ok, chamai-o de Deus), meio que vou me convencendo de que também eu
estou submetido à grande regra: fenecer.

Vou morrer. Olho para trás e vejo que as múltiplas, diversas e complexas perguntas feitas a mim mesmo e ao mundo ao meu redor começam a ser respondidas, não pela leitura dos filósofos, não pelo estudo da cultura oriental e de sua religião, não pela meditação, mas por mim mesmo, inconscientemente. Aos poucos, ao invés de obter respostas, subtraio perguntas. Aos poucos, toda a inquietação se transforma numa
confluência, coesão com o todo. Aos poucos, a Verdade, que busquei, me busca.
Aos poucos, a resposta, tantas vezes escorregadia, enrosca-se em meu pescoço,
cachecol em linha de tricô.

Vou morrer. E me irmano com meus ídolos. Dentro em breve – para a história, o que são 100 anos? – Dentro em breve estarei com Ele. Mas Ele já está comigo. Dentro em breve, deixo de ser protagonista, exclusivista, egoísta, narcisista, para ser tudo, todos, total. Dentro em breve, esta sensação de agora – nirvana, é a sensação - vai consumir-me todo, vai envolver-me todo, e todo me fará viver.

Vou morrer. E só agora, quando deixo de lado toda a seriedade, é que vejo o quanto essa brincadeira é séria. Só agora, pleno, posso revoltar-me, encolerizar-me, reivindicar, gritar, humanizando-me, emocionando-me, permitindo-me, ignorando-me. Só agora, “onde vês eu não vislumbro razão”.

Vou morrer. E já formulo – data vênia, Senhor Deus – uma revisão no modelo operacional em uso no universo. Algumas leis universais merecem ajustes, adendos, emendas. Talvez burocratize um pouco, mas alguns ritos podem ser sistematizados, sem prejuízo algum à idéia central da Criação.

Vou morrer. E só agora, quando completo 36 anos, vejo que faço 35. Em janeiro de 2008, hei de completar 34. Nesse ritmo, em 2042 volto a sonhar.

Vou morrer. Vou me deitar no colchão macio da Verdade e dormir profundamente. E vou sonhar com a nova Vida que me espera, e me preparar para minha segunda morte, para acordar para uma nova vida, e me preparar para minha terceira morte, para acordar para uma nova vida, e me preparar para minha quarta morte, para acordar para uma nova vida, e me preparar para...

3 comentários:

Nelson disse...

Tão belo texto não pode ficar sem um comentário... Até mesmo porque eu, também, Vou morrer...

Anônimo disse...

Verdade é que também vou morrer, mas triste será se pouco antes de morrer descobrir que passei pela vida sem deixar e/ou levar marcas de momentos bem vividos...Cris

Anônimo disse...

acordo de madrugada e caminho cambaleante até o banheiro sentindo dores pelo corpo e uma dificuldade qualquer ao andar que não sentia antes e uma demora em alcançar o banheiro e esta sensação que me invade devagarinho com o passar dos anos vai penetrando tão quase imperceptivelmente em meu corpo que é quase que um "surpreender" a velhice trabalhando em surdina o que me acontece nesta madrugada... mas que equipamento dos infernos este que o imponderável usa pra me enferrujar tão surdamente...