4 de janeiro de 2007

Deus é Amor

Não tenho a menor idéia de qual era o nome de Neném. A única coisa que sei é que foi essa a denominação usada quando alguém entrou correndo em casa, dizendo: Neném furou Paulinho. Neném era/é o filho mais velho de seu Edvaldo, marido de dona Néza. Edvaldo sei se tratar de nome protocolar, mas Neném e Néza com certeza era para o uso vulgar. Quem sabe um dia eu venha a conhecer a identidade desses seres que povoam minha memória? O certo é que Neném, por um motivo evidentemente banal – já que, em criança, motivos banais nos levam a ações pouco usuais –, dotado de metade de uma tesoura, furara Paulinho em região não mortal – até porque, Paulinho está vivo. À parte o desespero de maínha e o drama vivido pela vítima, eu e toda a molecada da rua tínhamos assunto para todo o mês. Eu, irmão da vítima, era consultado por crianças de bairros vizinhos e pela molecada do colégio e por tudo quanto é curioso doutrora, a quantas andava a situação de Paulinho, que convalescia no quarto de maínha, onde fora instalada uma espécie de UTI caseira. A história, de tão repetida, se tornara algo mecânico para mim. O orifício, que originalmente levara uns 7 pontos para ser fechado, eu o ampliei o suficiente para deixar meus interlocutores boquiabertos. Na minha versão, o sangue derramada já não mais cabia no açude do Angicus, o choro de maínha era um lamento, a ira de meu pai, a cólera dos Deuses. A narrativa ganhara contornos policiais; o tempo, na minha estória, comportava mais horas que as horas originalmente havidas para testemunhar o fato. Neném furara Paulinho nas proximidades do umbigo, mas a mim me parecia mais atraente dizer que, por míseros milímetros, e a lâmina da tesoura não atravessara o coração do pobre, oh!, pobre irmão Paulo. Neném furara Paulinho. Durante cerca de duas semanas, era esse o único tema da Avenida Sergipe, e era esse o único tema de minhas conversas no campinho de futebol, na esquina de Beto, onde jogávamos gude, no corredor da casa de Kinga, e, claro, na minha sala. Ao final de alguns dias, para minha tristeza, Paulinho já andava sem dificuldades, e a conversa perdera muito do brilho. O tempo jogou água na fervura. Paulinho se reestabeleceu. Recentemente, décadas depois da fatídica tesourada, voltei à Avenida Sergipe. Soube que Neném é hoje Diácono da Igreja Deus é Amor. Ostenta, sério, uma visível barriga e se veste com a elegância típica dos evangélicos: paletó, gravata, bíblia, calçados sociais, e uma caneta bic, elemento indispensável a um diácono. Não sei o que Paulinho diria a Neném, caso o destino os reunisse numa dessas encruzilhadas, mas ele, Neném, provavelmente, diria: A paz do Senhor, irmão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Luiz, é meio averso ao tema, mas, não tenho conseguido lhe enviar e-mails, verifique a disponibilidade de sua caixa.

Abraços,

Ana Paula

Anônimo disse...

"Buscai ao Senhor enquanto se pode achar".
Nunca sabemos, qdo o ferimento será letal, e só podemos encontra-lo enquanto temos nosso espírito.
E se o agrassor disser: "A paz do Senhor, irmão"...
Então q Deus, dê em dobro, pois ele saberá a parte que realmente cabe a qualquer um de nós.

"Dou graças ao meu Deus, por tudo q me recordo de vós,
fazendo sempre com alegria, súplicas em todas as minhas
orações".