2 de fevereiro de 2007

Palmolive - para cabelos oleosos

Para Dora (ela sabe o motivo)

Vidas, tive muitas. Desde que tudo começou, tive mais vidas que Raul Seixas. Lamento não me lembrar, com detalhes, de tudo que se passou nestas vidas todas. Quisera ter a memória de Márcia. Márcia se lembra de tudo. Nesta vida presente, diversas vezes fiquei à beira do abismo, mas não caí. Mas, se tivesse caído, e sucumbido, não seria problema. Ouso dizer que já vivi o bastante. O que vier, será lucro. Já foi lucro suficiente vir à tona, considerando que maínha poderia, junto com paínho, ter deliberado que, tendo nascido Petrônio, bastava. Se assim fosse, uma série de pessoas, que hoje vêem seus álbuns de fotografias, não me teria presente neles. Se assim fosse, minha mãe não teria perdido tanto sono com minhas cólicas e diarréias (perdão pelo detalhe sórdido). Se assim fosse, esse blog não existiria e vocês estariam ocupados com 10 pessoas no MSN ou mandando recados no orkut. Mas assim não foi. Nasci e, querendo ou não, uma infinidade de pessoas tem nas suas agendas diversos números dos diversos aparelhos celulares que já tive. Querendo ou não, todo dia 13 de janeiro, muitos (e muitas, é bom que se diga) acordam, dizendo: “Hoje é aniversário daquele sujeito”. Querendo ou não, nos mesmos álbuns, lá estou eu, histórico, pétreo, imexível. O certo é que nasci e quase morro aos dois anos, conforme já disse nas minhas exortações sanitárias (vide post anterior). A existência, para que eu não achasse que tudo era festa do outro lado da barriga de maínha, vive me presenteando com algumas dores, para que eu não seja soberbo, para que eu não pense que tudo são glórias, para que eu agradeça. São muitas as dores desta vida. As dores de cólica são as piores. “Esse menino não pode comer comida pesada”. Todo mundo lá em casa come como se o mundo acabasse no dia seguinte. Só eu, o eterno enfermo, estava limitado às comidas leves. Qualquer excesso, e lá me vinham os infernais desarranjos. E as infernais cólicas. E as eternas visitas ao banheiro. E os amarguíssimos remédios amargos que mainha fazia e me obrigava a beber, impulsionando o copo ao som de “gut, gut, gut”, como se, simulando o barulho do remédio descendo garganta abaixo, desse-me ânimo e coragem para encarar meio copo de amargor. No armário do banheiro, um arsenal de outros xaropes, um exército de amargores. Pois bem. Numa daquelas noites de cólicas infames, acordo mainha, que me leva ao banheiro, desesperada com meus gemidos (dores de um parto impossível). Exasperada, abre o armário do banheiro, tira de lá algo que ela supunha ser um dos meus remédios. Enche uma colher e injeta na minha boca, gut. Enche outra colher, gut, gut. Enche outra, gut, gut, gut. E outra, gut, gut, gut, gut. Mas, considerando um borbulhar esquisito nos cantos de minha boca, e considerando minha cara de dor associada a um esgar de nojo, resolve ligar a luz. Percebe que o que tinha na mão era um recipiente de shampoo Palmolive. “Deus, matei meu filho! Matei meu filho!!”. Daí, houve todo um processo operacional para que eu expelisse – agora com outra sonoridade – tudo aquilo que entrara ao som de gut, gut.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pense no lado bom! Pelo menos vc o expeliu com um odor agradável e com a sonoridade do estourar de bolinhas de sabão!!!