26 de abril de 2011

Completamente Seu

Foi Caetano que - homem de bom gosto - emprestou seu talento à canção do Peninha: Era uma brincadeira. A canção, na voz de Peninha, já era/é um clássico. Na infância, quando foi lançada, ouvimo-la até doer os tímpanos. E já naquele tempo eu já era capaz de identificar, de ouvido, onde o autor fora feliz. Vejam, abaixo, se tem fundamento minha análise.





Tudo era apenas uma brincadeira e foi crescendo, crescendo me absorvendo e, de repente, eu me vi assim completamente seu.

Esse "completamente seu", concludente, arredondado no fim da frase, como se letra e melodia fossem irmãs siamesas, é um dos pontos altos da canção.

Vi a minha força amarrada no meu passo.
Vi que sem você não tem caminho eu não me acho.
Vi um grande amor gritar dentro de mim como eu sonhei um dia.

Vejam, novamente, a frase cabe completamente na "frase melódica". "Um grande amor gritar dentro de mim!".
O homem estava no melhor dos mundos. E, se bem conheço as mulheres, isso é tudo que elas gostariam de ouvir de um homem. Tô errado, Naná?

Quando o meu mundo era mais mundo e todo mundo admitia uma mudança muito estranha: mais pureza, mais carinho, mais calma, mais alegria no meu jeito de me dar.

É como se ele estivesse fazendo prosa, mas - meu Deus! - é poesia e é música.

Quando a canção se fez mais forte, mais sentida
Quando a poesia fez folia em minha vida

Mas - trágico -, olha que ele, sem ao menos nos preparar, dá o recado sem preliminares. Faz doer na gente tanto quanto nele, ao ouvir dela a notícia infausta:

Você veio me contar dessa paixão inesperada por outra pessoa.

E, ao mesmo tempo que nos dá a pior das notícias (a queima-roupa), lá vem ele com uma aceitação igualmente inesperada.
Mas não tem revolta, não; eu só quero que você se encontre
Ter saudade até que é bom é melhor que caminhar vazio
A esperança é um dom que eu tenho em mim (eu tenho sim)
Não tem desespero, não; você me ensinou milhões de coisas


Tenho um sonho em minhas mãos
Amanhã será um novo dia
Certamente eu vou ser mais feliz

Ora essa! Cadê o sofrimento natural, Peninha?! Cadê a revolta necessária e imprescindível?!
Como assim você me ensinou milhões de coisas?! Onde você foi achar tanta racionalidade?!

Deixa eu acalmar um pouco...

Vamos imaginar, Peninha, que tal fato (a paixão inesperada por outra pessoa) ocorresse numa fase do seu casamento onde a relação estivesse, vamos lá, morna. Onde o casal, você e ela, já estivesse mais pra lá do que pra cá. Ai, tudo bem, dava pra aceitar você dizer: "Não tem desespero, não". ou ainda: " Eu só quero que você se encontre".
 
Mas, irmão, ela foi dar a maldita notícia exatamente no momento em que:
a) você se viu completamente dela;
b) você via que sem ela não havia caminho;
c) sem ela, você não se achava;
d) seu mundo era mais mundo;
e) todo mundo admitiu uma mudança muito estranha: mais carinho, mais pureza, mais calma, mais alegria no seu jeito de se dar;
f) a canção se fez mais forte, mais sentida;
g) a poesia realmente fez folia em sua vida.

Veja que o quadro geral de seu coração, Peninha, era praticamente celestial.

Tudo bem, não quero condená-la. Foi tão somente uma paixão inesperada por outra pessoa.
Mas é inadmissível você vir com:
"Não tem revolta, não!".

Tem revolta sim, e das grandes!

2 comentários:

d.b disse...

Não achei demodê. achei bonitinho. bem analisado.

mas, titio... há algo de autobiográfico aí?

Unknown disse...

Devana, desculpe-me estar sempre utilizando as suas falas....Tão autobiografico que necessitei recorrer a Drummond para responder ao revoltado:
"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos,na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional."