3 de maio de 2011

Caê no Caetano

Por Anne K.

Faz um tempo que procuro a intensidade que encontrei no Veloso. Ora tão baianamente calmo, dizendo suas palavras com uma voz tranqüila e doce, ora entrando nos meus ouvidos como quem entra numa casa sem dono e sem medo.

Há pouco eu ainda dizia que não gostava por não conhecer, então fui apresentada ao Cê, disco dele de 2006, que me proporcionou uma degustação de tudo o que Caetano significa, não só como o cantor que revolucionou o cenário musical brasileiro, mas me deu a impressão de conhecê-lo intimamente, como aqueles amigos que se conhecem em bares.

O disco é uma mescla de guitarras distorcidas, com palhetas marcadas, bateria acelerada e um baixo insano, lembrando toda a violência e vivacidade do rock'n'roll, com a voz calma e tranquila de Caetano. Letras fortes, diretas, sexuais, íntimas... Lembram uma conversa informal, um jogo de relações ainda não muito bem estabelecidas.

Os arranjos musicais são uma atração à parte. Cada acorde, cada nota, parecem ter sido propositalmente pensados para mergulhar o ouvinte em um extase hipnótico. As sensações das músicas, que ora tão sutis e ora tão extravagantes, não são inseridas no ouvinte, mas ao contrário, insere-o nela. Você se percebe dentro das músicas, em meio às notas doces, letras pesadas e vice-versa.

A intensidade do álbum é notável! Para os que já conhecem e admiram Caetano, o disco tão cheio de complementos e experimentos traz um novo frescor, um novo sabor. É um revival musical. Para os leigos, é um banquete de pequenas porções do que Caetano Veloso, enquanto músico, e um almoço de grandes pratos do que Caetano Veloso, enquanto ser humano.

O álbum se inicia com a música Outro, que por sua vez se inicia com a palheta marcada, guitarra levemente distorcida, bateria nervosa e um baixo que me lembra alguns rocks dos anos 50. A música ainda tem um apelo teatral e um solo de lembrar os ruídos tranqüilos de Jimmy Page. A letra é uma atração à parte e em uma palavra eu resumiria em esplêndida! Vemos essa irreverência e agressividade simpática em outras músicas como Rocks, Musa hibrida, Odeio, Homem, O herói... E esta última é de fato uma poesia com acompanhamento. Creio que é uma das críticas mais amargas e bem elaboradas que já pude ouvir.

Logo depois, temos um choque com uma música de levada tranqüila, com um baixo que de tão rápido, lembra o som de um clássico violoncelo. Uma música blue, Minhas Lágrimas. É como quando bebemos café quente e logo depois um copo de água gelada. A voz de Caetano agora tem maior destaque nessa música. A impressão que tive é que a melodia é apenas um acompanhamento, para uma poesia recitada, novamente. Então seguem músicas mais intimistas e calmas, que ganham uma leve distorção, trazendo a cara do blues à memória. Assim como ela, Não me arrependo, Um sonho levam as mesmas características.

Dentre as músicas está Waly Salomão que não tem muitas distorções, é uma música que é marcada intensamente pelo bumbo da bateria. Algo que lembre Mercedes Benz. Letra crítica e direta. E outra que é muito interessante é a Porquê?, que é uma repetição de duas ou três linhas de letras que falam muito mais que um discurso político.

E do disco, posso destacar como melhor música para mim, Deusa Urbana. Essa estímulou uma das coisas mais lindas da vida de uma pessoa: Ser tratada pela música. Sabe, caros leitores, creio que a música é a única coisa de fato sobrenatural. O poder que ela exerce sobre as pessoas não tem explicação. Não há como descrever com exatidão a sensação que a música pode nos dar. Deusa Urbana é a música do álbum que mais me falou ao pé do ouvido. Uma música que fala com você olhando nos olhos, sem máscaras ou sarcasmo.

O disco é intenso, denso, forte, gritante! Música que bate na sua cara e grita: Seja homem! Música que te chama para um café num fim de festa. Música que te veste e aquece. Música que tira sua roupa e te chupa com notas sutis. Música te ferve. Música que te esfria. Sem dúvida, esse disco foi um dos melhores presentes que pude me dar e um dos melhores remédios já receitados pra mim. Degustem...

Um comentário:

d.b disse...

errata: o artigo não é meu, titio. É de minha amiga Anne Kawaii. esta sim teve seu contato mais íntimo com caetano nesse disco, ou mesmo o priméiro, por intermédio de seu sobrinho. mude a assinatura e a nota.

beijos.